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OUTUBRO ROSA NOS PREVINE DE QUÊ?: TRANSMASCULINIDADES E O HISTÓRICO DA CAMPANHA POR PREVENÇÃO*

Atualizado: 20 de out. de 2024

Bruno Latini Pfeil; Cello Latini Pfeil


* Esse texto foi escrito após uma reunião com o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, cujas reflexões contribuíram bastante para a elaboração dos argumentos. Agradecemos ao IBRAT por todo o apoio e a parceria!


O movimento Outubro Rosa se internacionalizou nos anos 2000, tendo se iniciado na década de 1990, nos Estados Unidos, com a distribuição de laços cor-de-rosa para participantes da Race for the Cure [Corrida pela Cura]. A conscientização sobre o câncer de mama é sua mais importante forma de prevenção. Desde 2008, no Brasil, as campanhas por conscientização se intensificam a cada ano e seus resultados podem ser verificados no substancial aumento do índice de mamografias realizadas no país (DECCO-SEDIF, 2022). Não há dúvidas quanto à importância da campanha e a necessidade de conscientização. Observamos, contudo, que, embora o Outubro Rosa tenha como objetivo a conscientização, acaba por excluir de seu público-alvo as transmasculinidades. Não se trata somente da atribuição da cor ‘rosa’, associada à feminilidade, à campanha, mas da exclusão semântica, discursiva e material de corpos transmasculinos e não-binários do escopo da campanha. Além de corpos transmasculinos e não-binários, tais campanhas deixam de abarcar, também, corpos intersexo, que frequentemente não obtém inteligibilidade nos discursos médicos; ou, quando são levados em conta, percebem-se tratados como anomalias. Estaria o Outubro Rosa promovendo prevenção ou exclusão – ou ambos?

Algo com que nos deparamos bastante em movimentos sociais – especialmente quando associados a questões de gênero – é a exclusão de corpos trans e intersexo, a estigmatização de travestilidades, a invisibilização de transmasculinidades e a desconsideração de existências não-binárias. Tais movimentos se baseiam em um ideal de mulheridade bastante presente no seio do feminismo radical. Esse ideal angaria discursos que definem o “homem” como algo universalmente opressivo, por um viés genitalista, e a figura da mulher como vinculada ao útero, à gestação. Nomeamos esses movimentos como cisfeministas, tendo em vista que se organizam por um viés cisgênero, binário e genitalista, sem levar em conta existências trans e intersexo. Apesar da centralização na cisgeneridade e na endossexualidade, estes movimentos não assumem sua própria cisgeneridade, e não reconhecem a existência, as lutas e as demandas de corpos trans e intersexo.

Ao reduzirem o Outubro Rosa aos corpos cis-endossexo, corpos transmasculinos e não-binários e intersexo têm seu acesso à conscientização, à prevenção e à saúde reduzido. Os constrangimentos que enfrentamos em espaços de saúde integral se estendem desde campanhas como o Outubro Rosa até o interior dos consultórios médicos, e se caracterizam justamente pelo não-reconhecimento de nossas identidades, pelo apagamento de nossas corporalidades, e pela exclusão de nossa produção de conhecimento no meio acadêmico. Devemos questionar: para quem se destina o Outubro Rosa? Quais corpos estão inseridos em discursos médicos de cuidado e prevenção, e quais têm suas demandas colocadas de lado?

De acordo com a pesquisa Gravidez, Aborto e Parentalidade nas Transmasculinidades: um estudo de caso das políticas públicas, práticas e experiências discursivas, organizada por pesquisadores do IBRAT e da Revista Estudos Transviades, dentre as respostas obtidas, temos que pouco mais de 3% de transmasculines gestaram ao menos 1 vez na vida; destas, 31,25% já abortaram, e 6,25% relataram ter sofrido violências em relação ao aborto. Em relação a situações de transfobia em espaços de saúde, a pesquisa informa que 27,8% dos participantes não tiveram seu nome social respeitado; 29,4% não tiveram identidade/pronomes respeitados; e 18,9% sofreram transfobias em espaços de saúde em geral.

O que esses dados nos dizem? Que, embora as transmasculinidades necessitem de cuidados relativos à saúde sexual e reprodutiva – incluindo em relação à prevenção do câncer de mama -, somos constrangidos em espaços de saúde. Se nosso acesso à saúde está restrito a ambulatórios trans, talvez todos os demais espaços de saúde integral sejam direcionados a corpos cis. É somente a partir do reconhecimento de que tais espaços são regidos por uma norma cisgênera, endossexo e heterossexual que podemos vislumbrar sua transformação. O incômodo que sentimos durante o Outubro Rosa diz respeito a esse constrangimento, a esse apagamento histórico de nossas existências. Não se deve atribuir identidade de gênero a um cuidado de saúde. O Outubro Rosa não se trata de cuidados da mulher, tampouco de cuidados de homem, tampouco de cuidados com uma identidade de gênero específica; se trata de cuidados de pessoas com mamas, especialmente aquelas com histórico familiar de câncer de mama. Se parte das pessoas com mamas é excluída de campanhas de prevenção, então a prevenção propriamente dita não está sendo efetiva, muito pelo contrário: está fazendo com que parte da população com mamas não se previna e se distancie de serviços de saúde. Deve-se reconhecer o caráter cisnormativo, endossexo e heterossexual das políticas públicas relativas à saúde “integral” da população. Sendo assim, refletindo sobre esse reconhecimento, que possamos elaborar políticas públicas inclusivas para com nossas corporalidades. Antes de Outubro Rosa, pensemos em Outubro da Prevenção.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DECCO-SEDIF. (2022) Outubro Rosa: um pouco sobre a história e a importância da campanha que luta contra o câncer de mama. Disponível em: Decco-Sedif.Acesso em: 16 de outubro de 2023.


PFEIL, Cello Latini. LEMOS, Dan Kaio; GOMES, Enzo; ALGARTE, Fabian; GIULIA, Kaleb; CARVALHO, Murillo Medeiros; PFEIL, Bruno Latini. Gravidez, Aborto e Parentalidade nas Transmasculinidades: um estudo de caso das políticas, práticas e experiências discursivas. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, v. 6, n. 19, jan/abr 2023. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/15503. Acesso em: 16 de outubro de 2023.


COMO CITAR ESSE TEXTO?

PFEIL, B. L.; PFEIL, C. L. Outubro Rosa previne de quê?: transmasculinidades e o histórico da campanha por prevenção. Revista Estudos Transviades, 2023. Disponível em: https://revistaestudostransviades.wordpress.com/ensaios-colunas/. Acesso em: [inserir data]

 
 
 

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ISSN 2764-8133

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